Por que você chama algo de “exótico”?

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Você usa muito o termo exótico?! Aconteceu quando eu estava no Marrocos, a caminho do deserto do Saara. Foram dois dias de estrada, com várias paradas no caminho para observar lugares históricos, artesanato local, casas peculiares, provar comidas típicas, ver decorações únicas em cada estabelecimento, conhecer temperos com cheiros que nunca tinham passado perto do meu nariz… e no caminho, mais de uma vez, ouvi a mesma frase de pessoas que observavam tudo que estava ao nosso redor:

“Uau, isso é tão exótico.”

Da primeira vez aquilo me chamou a atenção. A partir da segunda, fiquei incomodada e decidi refletir para entender minha irritação. Não precisei de cinco minutos de introspecção para entender: eu estava cercada de pessoas que nunca haviam vivido a realidade que estávamos testemunhando. Gente que nunca tinha absorvido um mundo como aquele. Eu também era uma daquelas pessoas, é claro, mas não enxerguei nada do que estava vendo como “exótico” porque achei mais fácil perceber semelhanças (e não diferenças) entre o Marrocos e o Brasil.

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Myanmar, Yangon | Foto: Alessandra Fratus | topensandoemviajar.com

A palavra “exótico” pareceu um pouco destrutiva naquele contexto. Como se um mundo completamente diferente estivesse ali, à disposição de terceiros, para que mais gente pudesse experimentar — e só experimentar mesmo. Sendo que o que estava sendo rotulado como exótico era nada menos do que um normal diferente. A vida dos artesãos, agricultores, ambulantes e moradores das regiões diferentes que pelas quais estávamos passando não era inacreditável, fora de série ou potencialmente causadora de reações exaltadas. Era só a vida deles. Não era uma vida exótica.

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Marrocos | Foto: Alessandra Fratus | topensandoemviajar.com

Mas a gente está tão acostumado a enxergar o nosso mundo como o eixo de todas as outras coisas que basta uma realidade um pouco diferente da nossa para entendermos o nosso entorno como coadjuvante na nossa vida. É como se estivéssemos cercados de uma série de pequenas experiências que estão esperando que a gente só encoste o dedão do pé nelas. É como se tudo fosse diferente ou desconfortável demais para a gente imergir sem medo, sem achar que tudo é muito afastado da nossa realidade. E se tem uma coisa que eu aprendi viajando é que a vida normal é uma realidade em qualquer canto do planeta. Só é normal de jeitos diferentes.

Olhar para algo e dizer que é exótico tem um potencial tóxico de nos privar de viver o mundo como uma série de pequenos acontecimentos que o constroem diariamente e nos impõe um afastamento. Faz a gente se achar muito normal e nos força a olhar o mundo como  uma série de eventos e realidades que não se adaptam a nós — e que, por isso, nós rejeitamos ou olhamos como impossível de aplicar ao nosso dia a dia.

A rotina de pessoas que não têm uma vida semelhante à sua não é exótica. Os pratos típicos do Sudeste Asiático não são exóticos. A casa construída apenas com barro e palha não é exótica. O lugar onde se vive muito bem sem internet wi-fi não é exótico. Ele é absolutamente normal. Mas é um normal diferente. É um mundo normal que tem o potencial de nos ensinar justamente por provocar desconforto. Por nos obrigar a entender que a vida acontece de muitos jeitos e que o nosso dia a dia não é a única forma de assimilar o mundo e extrair aprendizado dele.

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Marrocos, Chefchaouen | Foto: Alessandra Fratus | topensandoemviajar.com

Se você começar a refletir sobre por que considera algo exótico, pode saber que há duas lições a serem aprendidas: a primeira é que esse adjetivo pode ser inibidor da sua curiosidade imersiva; e a segunda é que, trocando a inibição por um coração aberto e pronto para entender as diferentes vidas que estão no mesmo planeta que você, sua alma vai ser alimentada de muitas lições — e você carregará inúmeros mundos diferentes dentro de si, com empatia e generosidade muito mais instigantes. 

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Brasiliense, turismóloga, blogueira, mulher medicina, admiradora das brincadeiras populares e dos simbolismos étnicos. Sol e lua em sagitário, adora banana, cachoeiras, rios e mar. Não viaja sem seus óleos essenciais, não recusa um convite para dançar e acredita que o abraço cura.

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