Potosí: descendo as minas em Cerro Rico

2

Potosí é uma das cidades mais altas do mundo, por isso aclimatizar antes de chegar até lá é muito importante! A cidade fica aos pés da montanha Cerro Rico, a cidade está cheia de atrativos naturais e culturais; mas sem dúvida, o principal deles são minas de Cerro Rico. As ruas da cidade são cheias de ladeiras e o Centro Histórico fica na parte mais alta da cidade. Por causa da altitude, qualquer caminhadinha já exige um super esforço. O clima é seco e frio durante quase todo ano e as chuvas acontecem entre dezembro e março.

altitude4.090 metros

A história da montanha de prata

Contam que em 1545, o índio Diego Huallpa subiu a montanha Sumaj Orcko, antigo nome do Cerro Rico, à procura de algumas lhamas perdidas do seu rabanho. A noite caiu, o obrigando dormir por ali. Para se proteger do frio intenso entrou em uma gruta, acendeu uma fogueira e percebeu um brilho intenso nas rochas. Viu que era prata.

A notícia das veias de prata na montanha se espalhou rapidamente e logo os espanhóis chegaram e começaram a exploração. A descoberta do maior depósito de prata do mundo marcou a história da Bolívia. Em meados de 1565, Potosí já era a maior metrópole da América e contava com mais de 100 mil habitantes — no auge da exploração das minas.

Infelizmente, a riqueza gerada pela montanha não foi usufruída pela população local. Os indígenas foram escravizados e trabalhavam dia e noite na extração de prata para os espanhóis. A decadência veio no inicio do século 18, quando o minério perdeu o valor no mercado internacional. No século 19, os mineiros passaram a explorar o estanho, mas nunca mais a cidade se reergueu e voltou a ser rica quanto no auge da prata.

Hoje, ainda existem minas e mineiros trabalhando dia e noite (em condições sub-humanas). Não se sabe exatamente quantas minas ainda estão em atividade em Cerro Rico, mas estima-se que ainda existam cerca de 300. O estanho continua sendo explorado junto com o chumbo, cobre e zinco. São nessas minas que os turistas entram e podem ver (um pouco) como é a dura realidade do trabalho dentro da montanha.

Minas de Cerro Rico 

No passado, o local não tinha nenhuma estrutura para receber visitantes e um passeio por interior da mina era muito perigoso. Claro, que muita coisa não mudou.

Com o aumento do fluxo turístico os mineiros conseguiram algumas regalias que são presenteados as eles pelos turistas, como: pólvora, cachaça e bananas de dinamite.

Muitas agências oferecem esse passeio que inclui equipamentos básicos para visitação com roupa apropriada, bota impermeável, capacete e lanterna de cabeça. E todas sob o mesmo discurso: “você vai conhecer o verdadeiro trabalho dos mineiros”.

Apesar de ser uma dos “passeios” mais procurados, entrar nas minas é ficar de frente com uma difícil realidade. Lá você não vai encontrar falsos mineiros, fingindo que estão trabalhando… Prepara-se para se deparar com a dura realidade de trabalho quase desumano, vividos pelos mineiros de Potosí. Infelizmente, muitas crianças também trabalham na exploração das minas, mas elas não ficam ao alcance dos olhares dos turistas, é claro.

O trabalho é interrupto e os mineiros — incluindo as crianças — passam horas e até mesmo dias dentro das minas sem comer, apenas mascando folhas de coca. Tive a sorte de ser indicada para ser guiada por um ex-mineiro, que hoje trabalha por conta própria, levando alguns viajantes para as minas “menos turísticas”. Durante a nossa visitação encontramos com Adriano, mineiro há 43 anos, que mastigando uma bola de folha de coca (gigante), compartilhou conosco sua difícil rotina em Cerro Rico. Me contou que mastigam a folha de coca para inibir a fome. Quando estão dentro das minas, podem passar dias sem ver a luz do sol e não comem absolutamente nada para não contaminar as veias de prata defecando no solo. A urina, é depositada dentro de garrafinhas que são descartadas quando saem da mina. Adriano fez questão de lembrar dos amigos mortos pelas condições precárias de trabalho ou por explosões, e sabe que a cada dia de trabalho é uma luta pela sobrevivência. Além dos riscos com as explosões, os mineiros sofrem diariamente com a exposição de gases tóxicos como arsênio e o acetileno. Ficam sujeitos à doenças como silicose, causada pela inalação de pó de sílica. A média de vida dos mineiros não passa dos 50 anos. Dentro das minas estão homens que tiram dali o sustento de suas famílias, trabalhando em condições precárias e arcaicas — praticamente as mesmas do século 18.

Os mineiros não ganham salário fixo e o pouco que ganham, é contabilizado por produção. Valor esse que é muito, muito pouco, não contabiliza mais do que R$10 reais por dia.

Bola de folha de coca, mastigada por um mineiro em Potosí na Bolívia. As folhas também inibem a fome.
Bola de folha de coca mastigada por Adriano. As folhas também inibem a fome.

Bananas de explosivos sendo preparadas para explodir e aumentar a profundidade do poço.
Com Adriano e seu filho, Juan, que trabalha na mina desde os 11 anos de idade.

Coisas de turista

Antes de visitar a mina os guias passam em uma tenda para comprar presentes que serão entregues aos mineiros, como forma de socialização e gratidão, por cederam um pouco de seu tempo para receber os visitantes. É praticamente um “acordo” entre guias e mineiros. Os presentes beneficiam os mineiros pois são itens de uso diário que muitos precisam pagar de seu próprio bolso. Sendo turístico ou não, já é de grande valia e ajuda para eles.

O custo dos itens comprados para os mineiros não está incluso no pacote e é dividido entre os visitantes.

Os regalos mais comum são as folhas de coca, refresco, tabaco, álcool (96% de álcool que tomam puro!), bananas de dinamite, pavio e pólvora. Todos esses itens são facilmente encontrados em qualquer mercadinho em Potosí.

Importante: Entrar nas minas de Cerro Rico não é para qualquer “aventureiro”. É preciso ter boa saúde física e mental.

cerro-rico-potosi-4

Ritual ao Tío

Antes de começar uma jornada de trabalho, os mineiros bebem uma dose de álcool puro e a oferecem à divindade chamada de Tío, cultuada pelos mineiros há décadas. O povos originários acreditavam que nas montanhas viviam serem que podiam ajuda-los, se em troca deixam uma oferenda.

Todos fazem esse pequeno ritual para pedir proteção. Os mineiros acreditam que se o Tío está contente, boas veias de prata aparecerão após uma explosão.

O momento de acompanhei de perto a explosão de seis bananas de dinamite

Entre uma explosão e outra os mineiros param, por alguns minutos, para trocar a bola de folha de coca acumulada na boca. Para chegar até algumas lugares dentro das minas é necessário rastejar e escalar em galerias apertadas que não são recomendas para quem sofre com falta de ar e claustrofobia.

Cada mineiro tem sua galeria de exploração e fomos com Adriano até o seu “ambiente de trabalho”. Para chegar até lá não foi nada fácil. Passamos por várias galerias prestes a serem explodidas e sempre existia um clima de tensão no ar. Afinal, visitantes não eram comuns naquelas aéreas onde havíamos chegado.

Adriano estava prestes a estender um túnel em busca de prata e usaria seis explosivos para tal. Ele nos colocou em uma galera próxima, porém em segurança, do local onde seria a explosão. Ao ativar os explosivos ele voltou (correndo) para onde estávamos.

Os explosivos depois de instalados, foram ativados manualmente e qualquer erro poderia ter sido fatal. A precisão e agilidade do mineiro nesse momento tem que ser exata.

Nosso pequeno grupo era composto por 4 viajantes, mais o guia. Adriano nos pediu para ficarmos em silêncio absoluto (o que foi um pouco difícil depois da primeira explosão). O silêncio é necessário para verificar se o número de explosões corresponde ao número de explosivos instalados, dessa forma, certifica-se que todos foram explodidos. Sem dúvida, foram os minutos mais longos da minha vida. Sabe aquele momento que você pensa: “o que quê tô fazendo aqui?”. Pois bem, era exatamente esse o meu pensamento.Tenso! Veja (e ouça) no vídeo, o momento das explosões:

Sinceramente, não lembro quanto tempo fiquei dentro da mina caminhando pelo labirinto de galerias. Tão pouco lembro de quantos mineiros cruzamos pelo caminho… Minha memória é de quanto mais eu avança, mais difícil ficava o caminho. Eu tinha ideia do que iria encontrar, mas somente lá dentro pude perceber o sofrimento que aqueles homens e meninos passam ao trabalhar diariamente nas “entranhas” da terra. Foi uma das situações mais difíceis que vivi nessa viagem. Levei dias para absorver tudo que vi e senti… Ao sair, agradeci a Tío pela proteção e tive a certeza que não voltaria nunca mais a Cerro Rico, umas das principais minas de Potosí, conhecida também como a Boca do Inferno.

cerro rico

Para saber mais:

Brasiliense, turismóloga, blogueira, mulher medicina, admiradora das brincadeiras populares e dos simbolismos étnicos. Sol e lua em sagitário, adora banana, cachoeiras, rios e mar. Não viaja sem seus óleos essenciais, não recusa um convite para dançar e acredita que o abraço cura.

2 COMENTÁRIOS

  1. Olá!
    Seu relato está muito bom!
    Gostaria de saber se você tem o contato do seu guia ou se pode me indicar como chegar até ele?
    Estou indo pra lá em Dezembro, e acho que seria bem interessante ser guiado por um ex-mineiro.

    Obrigado!
    Matheus Segatto

    • Olá Matheus, infelizmente não tenho mais o contato do guia =( Ele foi indicado por outros viajantes e acertamos toda nossa ida em um pub à noite. hehe Vou tentar achar alguma coisa nos meus rascunhos e te aviso.
      Grande abraço!

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.