Turismo de base comunitária: um jeito diferente de viajar

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Antes de detalhar as características do Turismo de base comunitária, eu gostaria que você imaginasse uma viagem:

O destino é cheio de belezas naturais e muito rico em cultura. Chegando lá, você é recebido por um morador antigo da região. Ele te leva até a casa onde vive, oferece uma deliciosa refeição com pratos típicos regionais. Depois, mostra os artesanatos que produz. Se você quiser, o artesão pode ensinar a fazê-los. Outras pessoas da comunidade aparecem, mostram o que há de mais interessante no local, o que há para conhecer, as trilhas que podem ser percorridas. Você aprende, inclusive, a preservar essas trilhas, a valorizar o que é produzido. Ao fim do dia, pode descansar em uma das casas registradas como hospedagem.

Essa experiência que acabamos de descrever é um típico relato de turismo de base comunitária. Ou seja, o Turismo de base comunitária (TBC) é um modo de fazer turismo que coloca a população local como protagonista – e participante ativa de todas as etapas do processo. A gestão é coletiva. E é justamente o modo de viver da comunidade – e a valorização desse existir –  o grande atrativo, o diferencial, para os visitantes.

Todos os serviços prestados pelo TBC são oferecidos por moradores locais, sendo assim, toda renda gerada pelo turismo é destinada circula na comunidade, alimentando uma cadeia produtiva sustentável. Veja na ilustração abaixo do Manual Caiçara de Ecoturismo de Base Comunitária:

O Turismo de Base Comunitária tem como viés a preservação ambiental e principalmente, a preservação da cultura local. Esse tipo de turismo também contribui para salvaguardar a afirmação identitária, sobretudo, dos povos tradicionais como quilombolas, indígenas, ribeirinhos e caiçaras.

Roberto
Rita
Manuel
Guarani Karai Mirim e sua filha Rosa

Características do Turismo de Base Comunitária

  • A população é protagonista e participa de todas as etapas, do planejamento à avaliação;
  • É um modo de fazer turismo considerado mais justo;
  • É sustentável: “uso dos recursos de maneira ambientalmente responsável, socialmente justa e economicamente viável, de forma que o atendimento das necessidades atuais não comprometa a possibilidade de uso pelas futuras gerações”;
  • Existe a preocupação com os impactos ambientais;
  • Gestão de recursos é coletiva e deve ser transparente;
  • Valorização da história e da cultura;
  • Visitantes e comunidade local valorizam a troca e saem ganhando com ela;
  • Escala limitada e respeito aos recursos.

Por quê escolher fazer TBC? 

  • Maior conexão com a realidade local;
  • Possibilidade de mergulho na cultura;
  • Estímulo à reflexão;
  • Contato mais aprofundado com as pessoas;
  • Oportunidade de conhecer novas formas de hospedagem e partilha;
  • Valores cobrados são, geralmente, mais justos (não quer dizer que sejam menores);
  • Viagens menos “padronizadas”;
  • Experiências como participação em oficinas de artesanato ou culinária regional.
Foto: Cícero Bezerra

Vantagens para a comunidade que recebe os turistas

  • Valorização da cultural local;
  • Mais empregos e geração de renda;
  • Maior segurança;
  • Respeito pelo local onde vivem e de onde tiram o sustento;
  • Oportunidade de comercializar os produtos que produzem;
  • Preservação ambiental;
  • Preservação de patrimônios históricos;
  • Fortalecimento da identidade, da sensação de pertencimento;
  • Impactos negativos do turismo são minimizados.

Turismo de Base Comunitária no Brasil 

Há no Brasil importantes iniciativas, ligadas ao turismo, onde membros de uma comunidade trabalham unidos para fortalecer não só a economia local, mas todos os aspectos considerados importantes para a manutenção do equilíbrio na vida em sociedade.

Como descobrir lugares para fazer TBC?

Não existe um site ou uma plataforma que centralize locais que atuem com turismo de base comunitária no Brasil, a melhor maneira de descobrir lugares é por indicação de outras pessoas que já visitaram o lugar. O que não deixa de ser bom, pois é uma maneira segura de escolher locais que atuam de forma séria, respeitando a soberania das comunidades locais.

Existem diferentes frentes do TBC, desde visitar uma comunidade tradicional mais isolada – onde precisará deslocar de barco pelo rio, por exemplo. Ou, conhecer comunidades em contextos mais urbanos. A escolha do lugar vai depender do tipo de experiência que deseja viver, o interesse de contato com determinados povos e até mesmo quanto poderá investir nesse tipo de viagem.

Poranduba, uma experiência na Floresta Amazônica

Uma das experiências mais incríveis que vivi de Turismo de Base Comunitária foi em algumas comunidades ribeirinhas com moradores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro. A Poranduba é uma organização criada por esses moradores, para compartilharem com os visitantes de sua cultura local.

Além de toda a vivência e troca que o Turismo de Base Comunitário proporciona, é uma oportunidade única de visitar lugares que apenas os nativos conhecem. Certamente, a minha experiência na Amazônia foi muito mais enriquecedora por ter vivido alguns dias na Comunidade do Tumbira e no Inglês, que são próximas uma da outra, com cerca de 30 famílias cada.

Pode ser simples, mas é organizado

É importante deixar claro que, mesmo em localidades marcadas pela simplicidade, os visitantes encontram estrutura de alimentação, hospedagem e lazer muito bem estruturado e organizado. Em algumas opções, o pernoite é na rede mesmo. Mas, muitas vezes, o turista acaba se surpreendendo com a qualidade do atendimento e as experiências vividas.

O TBC vem ganhando espaço, no Brasil e no exterior. E há uma série de projetos que ajudam a fomentar esse modo diferente de receber visitantes, compartilhar visões e contribuir para o fortalecimento da comunidade.

O Garupa é um desses projetos. A organização, criada em 2012, ajuda pequenas iniciativas ligadas ao turismo por meio de financiamento coletivo. Além disso, organiza expedições como as que levam às terras indígenas no Amazonas, com autorização da Funai e roteiro montado em parceria com as comunidades. Os visitantes passeiam de canoa, participam de festas típicas, conhecem o artesanato e se deliciam com as refeições preparadas pelos indígenas. Parte do valor arrecadado fica com os moradores.

Já o projeto Bagagem nasceu da iniciativa de duas amigas que sonhavam com viagens mais solidárias e que promovessem desenvolvimento sustentável às comunidades. A ONG já promoveu cursos de formação em turismo comunitário em vários estados brasileiros, entre eles o Rio de Janeiro (Paraty e Ilha do Araújo) e Bahia.

Foto: Cícero Bezerra

Livro sobre Turismo de Base Comunitária

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) reuniu o resultado de ações de Turismo de Base Comunitária em 13 Unidades de Conservação Federais. No documento, que pode ser acessado nesse link é possível encontrar orientações para os visitantes, mas, principalmente, orientações para comunidades que desejam implementar o TBC.

Outros lugares de Turismo de Base Comunitária

Minas Gerais – Vale do Jequitinhonha

Destaque para a atuação das mulheres. Um grupo de artesãs decidiu empreender e receber os visitantes de uma maneira mais planejada – e bem mais interessante. Enquanto compartilham a arte que produzem, as mulheres contam um pouco da história, das lutas, das tradições do povo. Os visitantes têm a oportunidade de colocar, literalmente, a mão na massa, em oficinas onde aprendem a criar com cerâmica. Também podem se hospedar nas casas mineiras das ceramistas.

Mais informações: vivejar.com.br

Pará – Alter do Chão

Alter do Chão é um destino ainda pouco conhecido pela grande maioria dos turistas brasileiros, mas encanta quem tem a sorte de aportar por lá. É uma região tão bonita que ganhou o “apelido” de Caribe da Amazônia. Os visitantes têm a chance de se banhar no rio Tapajós, percorrer trilhas belíssimas, e também viver muito da realidade local, como a comida típica, o artesanato, as rodas de bate-papo. Há opção de hospedagem em barcos que vão parando nas comunidades ribeirinhas.

Quando estiver planejando sua viagem ao Pará, pesquise também pelo Flona (Floresta Nacional Tapajós), uma comunidade ribeirinha que tem como principal atrativo uma trilha que leva até uma Samaúma gigante de 300 anos. A região é uma unidade de conservação, que abriga 4 municípios. Um deles é Belterra, onde encontra-se a Comunidade Jamaraquá.

Existem opções de ônibus direto de Santarám para Jamaraguá, que saem diretamente da rodoviária às 11h30 e 14h30.

Mais informações: Sebastião – (93) 99162-3475, ele é nativo da região, mateiro, conhecedor das plantas da floresta.

Foto: Cícero Bezerra

Pará, Amazonas, Amapá. Acre, Rondônia e Mato Grosso

“A Estação Gabiraba é uma operadora de ecoturismo que, em conjunto com comunidades locais, procura desenvolver e estabelecer um modelo alternativo de turismo que gera renda às iniciativas sociais comunitárias e valoriza as tradições e o ambiente em que elas vivem.” Eles atuam em vários estados do Norte e assistem mais de 30 comunidades.

Mais informações: estacaogabiraba.com.br

São Paulo – Ilhabela 

O turismo de base em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, é muito bem organizado, inclusive com manual de orientação para a comunidade envolvida no processo. A experiência é preparada para que tanto o visitante quanto os moradores saiam ganhando. Passeios de barco pelo litoral, trilhas, oficinas, hospedagem… tudo é oferecido por meio de um projeto comunitário na Baía dos Castelhanos, onde vivem famílias de Caiçaras – que sobrevivem da pesca, do artesanato e, agora, do turismo sustentável. Os visitantes são apresentados à rotina na ilha e podem, até, aprender a tecer uma rede de pesca, por exemplo.

Mais informações: castelhanos.org

Foto: Cícero Bezerra

Gostou de conhecer um pouco mais sobre Turismo de Base Comunitária? Se você faz parte de uma comunidade, saiba que o TBC pode mudar a maneira como o turismo é visto – e trabalhado, sem exploração – trazendo resultados muito melhores e mais sustentáveis. Se você é turista e ainda não experimentou a experiência de viajar de para lugares que atuam com o Turismo de Base Comunitária, pode ter a alegria de conhecer novos lugares, culturas e mais do que tudo isso, fazer novos amigos, com a certeza de que está realmente colaborando para o crescimento e o bem dos que o receberam da melhor maneira.

Brasiliense, turismóloga, blogueira, mulher medicina, admiradora das brincadeiras populares e dos simbolismos étnicos. Sol e lua em sagitário, adora banana, cachoeiras, rios e mar. Não viaja sem seus óleos essenciais, não recusa um convite para dançar e acredita que o abraço cura.

2 COMENTÁRIOS

  1. Adoro o seu blog, Cris! Inclusive, há 4 anos como professora de redação, eu o apresento aos meus alunos e é sempre muito legal! Parabéns!

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