Vivenciar, registrar e compartilhar: como equilibrar?

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Vivenciar ou compartilhar? Minhas viagens sempre foram muitos livres. Já perdi as contas de quantas caronas peguei, casas de desconhecido onde dormi, comidas que compartilhei e quantos meios de transportes esquisitos já utilizei!

Vivenciar ou compartilhar?!

Para compartilhar tudo que aprendi nas minhas viagens, precisaria de muito tempo para lista-los e certamente ainda esqueceria de vários itens. Dos momentos inesquecíveis que vivi, ficaram muitas memórias para recordar. Porém, dos cheiros, das sensações, do toque ou do gosto, esses nunca me esqueci.

Vivenciar ou compartilhar

Vivenciar ou Compartilhar?

Minha vida é envolvida pelas coisas simples, naturais, coletivas e espontâneas. Bato palmas para o pôr do sol, agradeço a existência das pessoas que amo e me emociono com as histórias simples das pessoas que passam pelo meu caminho. Do outro lado como blogueira, vivo as tecnologias, hashtags, pessoas identificadas com arrobas antes dos nomes, dos aplicativos e redes sociais. Nessa minha realidade, quase paradoxal, percebo que o modo como interagimos virtualmente se distancia cada vez mais das nossas relações pessoais.

A questão não é deixar de fazer, mas começar a (re)viver.

Compartilhar os momentos corriqueiros da nossa vida virou mania e talvez por isso, mal percebemos o quanto esse ato se inseriu de forma natural e constante na nossa rotina. Eu também compartilho meus momentos e não nego que cada interação com meus leitores fazem dessa “compartilhação” uma deliciosa tarefa. No entanto, sempre me questiono sobre o excesso do compartilhar. Até que ponto a necessidade de interação virtual existe apenas para satisfazer um modelo idealizado da viagem dos sonhos, da qual nem mesmo quem compartilha de fato a vive? Será que compartilhar o mais perfeito dos almoços, o mais feliz dos momentos, a mais bonita montanha, o mais elegante hotel, o mais bonito céu, o “mais mais” de qualquer coisa, de fato é “o mais” da sua entrega daquilo que está vivendo? Não acredito na regra onde alguém diz que compartilhar momentos felizes é sinônimo de felicidade.

Não quero dizer que as redes sociais são más e que você não deve usá-las. Longe de mim querer contradizer o eu que mesma faço com alegria. Sobretudo reconheço que essas ferramentas encurtam distâncias e nos (re)conectam com pessoas que não passariam de meras lembranças saudosas.

O que me preocupa é a maneira como deixamos de passar momentos insubstituíveis para cumprir o modelo de compartilhamentos “necessários para viver”. Aos que pensam dessa forma, peço desculpas, mas essa realidade só chega aos pedaços para aqueles que te seguem nas redes sociais. Talvez, se você parar um instante, consiga perceber que há pessoas aí do seu lado dispostas a interagir. Essa sim, será uma interação por inteiro, que compartilha sensações e sentimentos verdadeiros. E, mesmo que me diga “vou compartilhar essa foto rápido. É um minuto..” não serei convencida disso, ao pensar que são esses mesmos minutos que tiram pra sempre, todos os dias, pessoas de nossas vidas.

Vivenciar ou compartilhar a viagem freneticamente?!

A “necessidade” de compartilhar uma viagem alimenta sonhos e desejos de outros, mas será que alimenta o seu instante? Minha intenção não é te convencer a parar de compartilhar seus momentos, mas propor um novo modelo que retroceda as exigências de estarmos presentes por inteiro em nossas relações, sejam elas quais forem.

Mesmo quando atingirmos essas metas é bem capaz que sejamos tomados por uma ansiedade aflita de compartilhar. Para esses sintomas recomendo a boa e velha conversa ou um abraço apertado na pessoa mais próxima. O momento vivido não será menos ou mais grandioso se não for compartilhado nas redes sociais. Pensando bem, ele será mais grandioso se não compartilhado, pois deixará de ser um registro estático para se tornar uma entrega de sentimentos e sensações.

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Vivenciar ou Compartilhar? Certo é obter momentos para toda vida

Na minha opinião, nesse total devaneio, penso que integrar por completo nossos sentimentos é um caminho para percebermos nossas viagens com mais vida. Não pensar apenas no número de seguidores ou quantas pessoas serão alcançadas com sua foto; e sim, por quão intenso de sentimentos foi o seu momento. No documentário “Quem Se Importa de Mara Mourão, Premal Shah um jovem empreender social traz uma frase:

Não pergunte do que o mundo precisa, pergunte o que te faz sentir vivo, porque o que o mundo precisa é de pessoas que se sintam vivas.”

Às vezes parece que estamos evitando ao máximo vivenciar o imprevisível, optando pelo controle do modelo da viagem perfeita, deixando de passar pelos aprendizados do imprevisto. Hesitamos cada vez mais em experimentar verdadeiramente o sabor da vida, com suas falhas e erros, pois estes não saem bem na foto.

Estamos submersos em um mundo de conceitos invertidos, no qual o valor do momento não tem significado real de felicidade. E sim, registros superficiais e altamente falhos de momentos. Eu compartilho meus momentos, no entanto, não procuro um modelo de viagem para compartilhar, eu procuro uma relação, uma história para viver e contar.

Quero me sentir viva e proporcionar momentos de contatos profundos com as pessoas que estão comigo. Não quero atitudes repetitivas de um padrão virtual. Quero o movimento natural e livre das nossas relações pessoais. Quero saber quem é você, de onde vem, o gosta de fazer, o que almeja para o futuro… Quero saber de você! Quero trocar experiências! Quero te abraçar no final da nossa conversa. Quero experimentar todas as sensações que os sentidos podem nos oferecer no instantes que estamos juntos. Por todas as nossas relações, essa é minha reflexão de coração.

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Esse texto é dedicado a Carol Scartezini, por seus abraços.
Brasiliense, turismóloga, blogueira, mulher medicina, admiradora das brincadeiras populares e dos simbolismos étnicos. Sol e lua em sagitário, adora banana, cachoeiras, rios e mar. Não viaja sem seus óleos essenciais, não recusa um convite para dançar e acredita que o abraço cura.

18 COMENTÁRIOS

  1. Não sei bem se concordo com você não. Não é porque alguém compartilha os momentos que está deixando de vivenciá-los. Acho que quem pensa ass é simples: saia do instagram. Conheço muita gente que acha o mesmo que você porque percebe que os amigos estão postando fotos de viagens antigas ou todos os momentos da viagens. Até acho que tem foto que é desnecessária, mas eu também acho que as fotos de viagens aproximam as pessoas do lugar e estimulam, por que não? Já pensou dessa forma também? E da forma que rede social hoje é isso : expressar pro mundo o que você sente é o que você vive. Quem acha exagero é só não se incluir. Agora regras e boas maneiras pra usar redes sociais que nem tem gente que escreve por aí é muito mimimi.

    • Olá Juliana, agradeço seu comentário, estava sentindo falta de alguém discordando. Mas veja bem… eu não escrevo sobre ter ou não ter um instagram, por exemplo. Como disse no texto, também compartilho e faço tudo com muito prazer. Concordo com você que as fotos estimulam viajar, por isso sou blogueira de viagem. ADORO compartilhar minhas viagens no intuito de inspirar novos viajantes. Não escrevo a respeito das regras de uso das redes sociais, mas sim em nos regramos enquanto pessoas nos momentos que estamos presentes com outras pessoas. Questiono sobre a necessidade de sentarmos em uma mesa de restaurante e ficarmos grudados com a cara no celular sem interagir com os amigos que estão presentes, por exemplo. Não é como a pessoa usa ou deixa de usar as redes sociais, e sim como age nos momentos que está presente com outras pessoas: relação pessoal.

      Devemos sim postar, mas tem mesmo que ser sempre “agora”? Eu não fico publicando tudo imediatamente e nem por isso perco seguidores, pelo contrário cada dia ganho mais. A grande questão é saber ponderar nossos limites entre o viver e compartilhar o momento com pessoas reais e presentes. Quantos abraços deixamos de dar, quantos ligações paramos de fazer e consequentemente deixamos de ouvir a voz das pessoas queridas, quantos afagos e carinhos doamos/recebemos pelo simples gesto do gostar, quantos momentos sinceros estamos trocando por “uma rapidinha virtual”?

      Quando fiz esse texto fiquei pensando muito em uma amiga, do qual dedico o texto. Carol tinha 23 anos e faleceu após ser atropelada voltando de uma manifestação em Brasília, em junho de 2013. Uma pessoa alegre, amante das coisas boas da vida, com abraço sincero, sempre com um sorriso no rosto… Embora não esteja mais conosco fisicamente, continua viva nos nossos corações, lembranças e no facebook, que continua ativo.

      Repito: não é como usamos as redes sociais e sim como gastamos nosso tempo com o presente do momento.

      Beijo grande!

      • Parabéns por homenagear a ” CAROL ” , bacana você dizer que é sua amiga
        Hoje sou viúvo e sei o que é ter alguém especial para lembar …falo isso porque LUGARES, são momentos vividos e nunca esquecidos
        Beijo no coração de todos que compartilharem algo de bom neste mundo louco em qual vivemos : BONS PASSEIOS E VIAGENS PELO MUNDO AFORA

        • Carol que passou por aqui para nos trazer sorrisos. Precisamos sempre nos lembrar das pessoas que nos deixam saudades no coração e que nos ensinaram algo. Gratidão por seu tempo dedicado para me escrever. Que os bons ventos sempre te leve para os melhores caminhos…♥

  2. “Quero saber quem é você, de onde vem, o gosta de fazer, o que quer para o futuro, enfim, quero saber de você.” Conte-me sobre você jovem bela mulher. Suas palavras me fizeram encher os olhos de lágrimas e a minha única vontade foi ligar para os velhos amigos aapenas para deseja-los boa noite. Ótimo texto!

    • Pedro, também me emocionei com suas palavras. Espero que não fique só na vontade… ligue para seus amigos, os deseje boa noite, bom dia, boa tarde, boa vida! Assim vamos construindo um mundo de mais gentilezas e afetos, farei o mesmo com os meus amigos essa noite. Gratidão!

  3. Adorei a frase…”As vezes, parece que estamos evitando ao máximo vivenciar o imprevisível, optando pelo controle do modelo da viagem perfeita, deixando de passar pelos aprendizados do imprevisto.”

    Defendo ter pouco dinheiro em uma viagem para não ter vergonha de se ‘humilhar’ para aceitar uma xícara de café, um banho na casa de algum desconhecido ou um prato de comida de origem, muitas vezes, duvidosa. Não saber conhecer o lugar e até mesmo se decepcionar ao não encontrar “nada de interessante” pra saber valorizar quando se encontra algo por mais simples que seja.

    O final do texto me lembrou uma música da Carol Gualberto:

    “Quero a simplicidade do café com pão,
    Quero a sinceridade do sim sim não não
    Quero a pedagogia de querer crescer
    Quero a filosofia de saber viver.

    Quero a facilidade de deitar dormir
    Quero a integridade de não me omitir
    Quero a gastronomia de experimentar
    Quero a teologia que me faça orar.

    Com os olhos marejados de espanto
    No meu canto de silêncio,adoração
    Ao saber que a vida é tanto,tanto,tanto contemplação”

    • Oi Sabrina, os imprevistos são necessários para crescermos. Aprendo muito com a simplicidade dos momentos, e embora a maioria busque por um padrão de perfeição de viajar, prefiro continuar imperfeita e criar verdadeiras relações com os lugares e pessoas. Adorei a música! Agradeço. Bjoo

  4. Oi, Cris!
    Adorei sua reflexão. Uma das coisas que me incomoda com essa exposição exagerada tanto em relação a viagens quanto em relação a vida. É que vivemos tanto nos comunicando online que quando encontramos de verdade as pessoas, quase tudo já foi dito.

    Sei que tem o lado bom de tudo isso, mas eu, diferente dos meus amigos, tento ficar offline quando viajo. Não me preocupo em postar mil fotos. E confesso que até tirar zilhões de fotos tem começado a me incomodar.

    Abraços

    • Oi Tatiane,
      Essa é uma reflexão antiga que só agora consegui externar, e fico feliz em ver tantas pessoas compartilhando do mesmo sentimento. As vezes é tão natural essa falta de diálogo pessoal que as pessoas nem percebem o tanto que estão ausentes. O online é importante desde que não prejudique nossas relações pessoais do agora. Sobre tirar zilhões de fotos, confesso também, que tiro bem menos do que tirava antes, ando em busca do necessário. rsrs Grata pela visita! Grande abraço.

  5. Oi Cris,

    Achei bem interessante o seu texto, primeiro por fugir um pouco apenas do relato das viagens e por também falar de forma natural e pessoal de um assunto que muitas pessoas apresentam de forma quase “científica” e rebuscada demais.
    Acho que a gente só se dá conta de como nossa “viver” está conectado 24h por dia quando somos forçados a nos desconectar, seja pq o local para onde vc foi não tem sinal, não tem energia ou pq vc não pode usar o celular… É quase uma reabilitação. No primeiro dia é estranho e incômodo, do segundo em diante, uma libertação.

    • Oi Jéssica, é quase uma reabilitação, mesmo. Adorei o conceito! rsrs O “desconectar” não precisa ser radical e sim moderado. Se “viver” conectado 24 horas fosse tão vital para nossas vidas não sentiríamos tanta leveza ao não ficarmos desconectados. Por isso vivo me perguntando… Qual é o caminho do meio? Grande abraço!

  6. Cris,

    eu sempre fico me perguntando essas coisas. No meu caso, eu estou sempre tentando um caminho que seja – na minha opinião – mais equilibrado para a minha vida.
    Não compartilho detalhes pessoais da minha vida e tento ser muito cuidadosa com o que publico.
    Mas é claro que é importante ressaltar que o que é demais para um, não é demais para o outro. É tudo tão subjetivo! 🙂

    • Oi Deise, que bom sua presença por aqui. 🙂 Com certeza é muito subjetivo, embora acredite na “teoria” que mantínhamos uma relação com outro igual (ou mais) sem tantos esses apetrechos tecnológicos de hoje em dia. Maaaass… os tempos são outros e algumas intervenções da tecnologia são necessárias, no entanto, não são vitais. Essa é uma das questões. rsrs Também sou daquelas que busca um caminho mais equilibrado, afinal sou blogueira e faço porque amo! Compartilhar minhas viagens com meus leitores é um prazer, mas prefiro fazer em doses homeopáticas. rs

  7. Rsrsrs…quer dizer que está aproveitando suas viagens de ônibus pra escrever???

    Realmente é fato que estamos exagerando na necessidade do “mais”, masssss…já falamos bastante disso. Acho que cada um tem seus objetivos no compartilhar: uns querem se mostrar, outros dividir momentos com amigos e família…eu, como blogueiro, quero divulgar meu trabalho. É bem difícil separar tudo isso.

    Como sempre, adorei seu texto 🙂

    Beijos Cris

    • Gui, você tem me inspirado com várias coisas no blog – inclusive voltar a escrever no ônibus. rsrs Admiro sua dedicação com o seu trabalho, acredito muito no que você faz e torço, de coração, para que cresça com seus projetos. Concordo plenamente com vc, cada um tem objetos no compartilhar. Mas tendo a discordar sobre o domínio dessas ferramentas sob as pessoas. Como blogueira também me vi em momentos que acreditava ser impossível separar as coisas, ainda mais vivendo em realidades tão paralelas. Mas depois descobri que não era tão difícil assim, bastava organizar meu tempo ponderando os limites “entre mundos” e seguir outro caminho. Também quero crescer, quero divulgar meu trabalho, mas mais do que tudo isso, quero viver! Não acho que exista o caminho certo ou errado… Eu sigo em busca do caminho do meio, do equilíbrio. Talvez me custe um pouco mais tempo para crescer? Talvez, mas nesse caso prefiro correr o risco.

      Grata por sua presença de sempre.

      Beijo grande!

  8. Ótima reflexão Cris, já pensei muito sobre esse assunto também. O novo modelo de compartilhar assusta! Será que não estamos esquecendo a essência ou até mesmo a origem do conceito da palavra?

    Quem nunca perdeu um momento grandioso ou deixou de aproveitar mais de um determinado instante apenas por pensar em “compartilhar”? Pode ser a hora de rever algumas coisas..

    • Exatamente Rafael. Não sou a primeira a falar sobre isso, e nem a última. Cada vez mais percebo o distanciamento das pessoas pq estão grudadas no celular. No nosso caso, as vezes é necessário viajar para uma press trip e ter que compartilhar tudo que acontece? É. Mas pra tudo tem limite, todo excesso é ruim.

      Acho ótimo quando tenho contato com pessoas mais simples, que vivem no interior do interior de algum lugar e mal sabem o que é um celular. rsrs Grata pela visita!

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